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Wilhelm Reich

Wilhelm Reich: contribuições para a sexualidade do séc. XX

      Wilhelm Reich (1897-1957) foi um médico psicanalista austríaco, da segunda geração de analista depois de Freud. Ele escreveu inúmeros livros, dentro os quais A função do Orgasmo (1927), Análise do Caráter (1933), A psicologia de massas do fascismo (1933) e a Revolução Sexual (1936). Seus tratamentos e conceitos de análise do caráter, armadura/couraças musculares, reflexos orgásticos, potência orgástica, vegetoterapia e bio-eletricidade foram extremamente influentes em várias técnicas consideradas alternativas/holísticas ao longo do séc. XX: terapia do grito primal, terapia Gesltat, bio-energética, vivências de grupos, (neo)-tantra, meditações ativa, massagens íntimas etc.

      Ele foi um pesquisador controverso e polêmico durante toda sua vida, pois ao mesmo tempo em que desbravava interessantes campos e relações entre sexualidade, psiquê e sociedade, desenvolvendo técnicas e ferramentas terapêuticas, também cometia atos reprováveis como o envolvimento com algumas de suas pacientes. Sendo um homem de extremos, andava na zona cinzenta, buscando quebrar barreiras e avanços terapêuticos que outros médicos consideravam tabus, mas, ao mesmo tempo, cometendo erros básicos em termos profissionais e éticos em alguns casos.

 

     Abaixo, eu trago um resumo de alguns dos seus conceitos e desenvolvimentos das técnicas de Reich, a partir da conhecida biografia de SHARAF (1983: 234-244).

 

SHARAF, Myron. Fury on Earth: a biography of Wilhelm Reich. New York: St. Martin’s Press/Marek, 1983.

 

Como citar: SHARAF apud GARROTE.

    Desde os 1930s Reich começa a observar e a trabalhar diretamente com o corpo de seus pacientes. Os experimentos bio-elétricos focavam tanto no fluxo da eletricidade quanto dos fluidos corporais relacionados ao prazer e ansiedade. Aqui ele quebra dois tabus psico-analíticos: tocar o paciente e ver o paciente despido. Nestes primeiros anos de foco no corpo, Reich se limitava a observar e comentar os espasmos musculares. Depois, gradualmente, no final dos 1930s, ele estava fazendo intenso uso do toque para atacar a armadura/couraça corporal diretamente e despertar as emoções fortemente presas nos espasmos musculares. Ele pressionava forte com seus polegares ou palma da mão no queixo, pescoço, peito, costas ou coxa. Normalmente essa pressão estimulava uma explosão de choro ou raiva. Esse tipo de toque não era uma massagem e era pensada por Reich de forma a ser um toque neutro e médico.

   Reich também procedia de forma gradual e cuidadosa com a nudez do paciente. Ele via homens de short e às vezes nus, mas sempre via as pacientes mulheres com sutiã e calcinha, nunca completamente nua, pois não queria aumentar nem instigar boatos que ele ou suas técnicas eram usadas para seduzir pacientes mulheres. Esses aspectos sobre toque e (semi-) nudez tornavam suas pesquisas muito controversas.

 

   Essas pesquisas durante os 1930s foram resumidas no trabalho Reflexo orgástico, atitude muscular e expressão corporal, publicado em 1937. Nesse momento, uma nova e importante ênfase da sua pesquisa era a respiração. Respiração, então, passou a ser um elemento importante na terapia que Reich chamaria de “vegetoterapia de caráter analítico” [character-analytic vegetotherapy]. Esse nome é devido ao fato de Reich entender que é uma técnica que continua no âmbito da psicanálise, mas acrescenta o “sistema nervoso vegetativo/autônomo”, pois Reich estava impressionado pelo papel da inervação simpática em neuroses e a importância da ativação parassimpática durante a terapia, ou seja, esse termo denota o interesse crescente de Reich pelas expressões corporais das emoções e as mudanças energéticas nos pacientes. Nos EUA ele vai abandonar esse termo, pois havia uma associação e confusão com a palavra “vegetais”.

 

    A partir do trabalho na vegetoterapia, o objetivo continua o mesmo: estabelecer uma potência orgástica. Porém, trabalhando diretamente com o corpo permitiu Reich ver uma miniatura do modelo da potência orgástica dentro de uma sessão terapêutica. Assim, se o terapeuta agisse corretamente, ele poderia observar não somente uma dissolução dos segmentos da armadura, como a respiração sendo sentida por todo o corpo e sensações de prazer durante a expiração, mas também uma onda de movimentos espontâneos e involuntários que vão da garganta para baixo e para cima. Se o paciente deitasse de costas com os joelhos elevados em um ângulo de 45º, respirando profundamente e livremente, a sua cabeça iria inclinar ligeiramente para trás, os ombros ligeiramente para frente, o peito e a pélvis iriam afundar, e pélvis iria se elevar ligeiramente do sofá – todos esses movimentos acompanhando a onda da exalação.

 

     Em um dos pacientes de Reich que foi tratado como essa nova técnica de dissolução da armadura esses movimentos espontâneos se tornaram tão como que reflexos e fortes que eles poderiam ser contidos somente com um esforço. Reich, então, chamou esses movimentos de “reflexos orgásticos” [orgasm reflex], pois eles também apareciam durante o orgasmo em pessoas potentes orgasticamente. A obtenção dos reflexos orgásticos durante a terapia, bem como a potencia orgástico durante o sexo, se tornaram os dois objetivos do tratamento de Reich.

    Esses reflexos orgásticos poderiam ser experienciados sem as subidas e descargas de excitação ocorridas caracteristicamente no orgasmo. O essencial eram fortes sensações de correntes de prazer pelo corpo, particularmente na área pélvica, e movimentos espontâneos e livres como que convulsivos por todo o corpo. É possível, portanto, experienciar os reflexos orgásticos sem ser potencialmente orgástico no sexo, uma vez que aqueles era mais simples, pois se tinha o apoio do terapeuta e não tinha todos os problemas envolvidos ao se relacionar com um parceiro na “vida real”.

 

    Observando o corpo nu ou seminu, Reich estava concentrando seu foco nas mudanças corporais e chegou onde ele sempre quis: uma terapia que extraísse e lidasse com as emoções mais profundas e com o fluxo de energia, que agora ele chamada de “bio-eletricidade”.

 

    Como essa terapia poderia gerar fortes reações corporais e, portanto, ser perigosa, Reich passou a defender que ela somente seja conduzida por médicos. Ele fazia algumas exceções para algumas pessoas, mas, em geral, ele voltava para esse caráter médico da prática. O grande rigor para o tratamento total e essas dificuldades fez com que Reich ficasse crescentemente desconfortável com a popularização dessa terapia. Ele temia que pessoas não-treinadas poderiam simplesmente pegar essas técnicas e cometer irresponsavelmente grandes erros com os pacientes ou simplesmente diluí-las, tornando-as superficiais.

 

       Importante entender Reich como um homem de extremos. Pois esse caráter de terapeuta mais humano também pode ter o lado negativo, se não se tomar os devidos cuidados. E Reich, em muitos momentos, violava a neutralidade do terapeuta, a capacidade de aceitar e não-julgar. Ele fez avanços incríveis, mas também cometia erros que um médico no primeiro ano de residência não cometeria.

       Enquanto Reich recebia uma resposta negativa de grande parte do mundo em relação ao seu trabalho experimental e não mais do que uma tolerância morna de seus amigos, ele recebia feedbacks positivos entusiasmados de seus alunos e pacientes. E isso dava muita confiança em si mesmo e em seu trabalho. Por um tempo, Reich pensou em chamar o seu tratamento de “terapia orgástica” [orgasmotherapy], mas viu que essa nomenclatura muito franca poderia ser demais para seus estudantes. O seu tratamento não era uma “terapia sexual direta” no sentido corrente desse termo. Ele defendia que bloqueios na função do orgasmo estavam conectados com bloqueios em todo o caráter e musculatura do paciente. Falava de convulsões orgásticas gerais e não liberação genital local como as descritas depois por Masters e Johnson.

     Por fim, qual é a relação entre a vegetoterapia de Reich e formas de tratamento como terapia do grito primal, terapia Gesltat, bio-energética, vivências de grupos? A Bio-energética é uma popularização e ampliação do trabalho do Reich, descendendo diretamente daí. As outras usam algumas técnicas de Reich. O Grito primal usa o toque direto no corpo e foca em expressão das emoções profundas. A terapia Gestalt traz uma grande ênfase na consciência dos sentimentos do corpo, mas não usa diretamente o toque. Vivências de grupos usam uma variedade de métodos para fazerem as pessoas “saírem de suas cabeças” e “para dentro de suas emoções”. Nenhuma dessas técnicas, todavia, usa um trabalho sistemático de entender as diferentes camadas de defesa do caráter e dos segmentos da armadura muscular.

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