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Vibradores: um breve histórico

   Nessa seção, trago uma breve história para desconstruir a falsa ideia, amplamente difundida, sobre os vibradores terem sido criados e utilizados frequentemente por médicos vitorianos em seus consultórios para tratamento de “histeria” das mulheres.

     Aqui, mostro a real história de como os vibradores elétricos, desenvolvidos inicialmente como uma panaceia para tratar doenças em geral e sendo utilizados por somente alguns médicos, transformaram-se, pelo uso das próprias consumidoras em suas casas, em aparelhos com finalidades sexuais.

    Abaixo, eu trago um resumo de alguns dos conceitos e posicionamentos de Hallie Lieberman (uma doutora historiadora de sexo e gênero), a partir das três fontes bibliográficas seguintes. Os meus comentários e opiniões estão em colchetes.

 

LIEBERMAN, Hallie; SCHATZBERG, Eric. A Failure of Academic Quality Control: The Technology of Orgasm. In: Journal of Positive Sexuality, Vol. 4, No. 2, August. Center for Positive Sexuality: 2018.

LIEBERMAN, Hallie. Buzz: A Stimulating History of the Sex Toy. Pegasus Book Ltd: New York, 2017.

LIEBERMAN, Hallie. (Almost) Everything You Know About the Invention of the Vibrator Is Wrong. In: Opinion, The New York Times: 23 Jan, 2020.

- Como citar: LIEBERMAN apud GARROTE.

O MITO: LIEBERMAN DESCONSTRUINDO MAINES

       Existe um mito de que os vibradores surgiram na época vitoriana da Inglaterra, onde um médico teria utilizado vibradores nos genitais das mulheres para induzi-las a um “paroxismo histérico”, curando-as da histeria, sem que isso fosse considerado sexual pelas mulheres pacientes. Ele teria supostamente criado o vibrador porque suas mãos estavam cansadas de realizar essa técnica tantas vezes por dia. Essa ideia já foi replicada de distintas maneiras, em populares séries animadas, filmes [de Hollywood] como “Hysteria” (2011) e, inclusive, em documentários e literatura acadêmica.

            A Doutora historiadora Lieberman escreveu o livro Buzz: a estimulante história dos brinquedos sexuais, e das 384 páginas desse livro, somente algumas específicas para desconstruir esse mito. Ela pensou que seria suficiente, porém, não foi. E, mesmo tendo escrito um artigo e uma texto mais direto e suscinto, esse mito ainda paira sobre algumas pessoas, mesmo estudiosos, apesar de que, agora, já é claro, para quem realmente estuda mais a fundo o tema,  a falsidade dessas alegações.

            Essa história não somente é falsa, como as tentativas de controlar a sexualidade das mulheres é perpetuada no modo como ela é contada, pois induz a ainda pensarmos nas mulheres como ignorantes, passivas e manipuladas por homens, não estando no controle do seu próprio corpo e sexualidade.

            Esse mito começou em 1999, com o livro “Tecnologia do Orgasmo” [Technology of Orgasm] de Rachel Maines. Aparenta ser um livro acadêmico com ampla pesquisa, 465 citações e inúmeras dessas citações são de fontes primárias, algumas em grego e em latim. O problema é que nenhum delas realmente fundamenta a história que ela traz. Maines disse, depois de críticas, que sua versão era somente uma “hipótese interessante” e que ela não tinha a intenção disso ser visto como um fato estabelecido. Porém, a ideia pegou e se espalhou.

            Maines argumenta que: i) a massagem clitorial com um vibrador não era percebida como sexual, pois não havia penetração; ii) os vibradores eram amplamente usados para tratar histeria; iii) as massagens clitoriais era um padrão médico da época, que simplesmente persistiu durante o séc. XX com os vibradores substituindo a massagem manual.

          A doutora e historiadora Lieberman, no entanto, mostra que Maines não consegue citar nenhuma fonte que abertamente e nem indiretamente descreve o uso dos vibradores para massagear a área clitorial, nem mesmo é encontrado nenhuma mensagem ao “paroxismo” atingido por tais massagens em tratamento de histéricas. Rebatendo ponto por ponto, Lieberman diz:

            i) Ao contrário do que diz Maines, existia, sim, o uso penetrativo de vibradores por médicos, porém não tinha finalidades ligadas à histeria, nem orgasmos. A maioria das companhias de vibradores produzia acessórios fálicos para penetração e quase todos os vibradores vendidos para médicos possuíam eles. Um dos modelos mais famosos, Shelton, vinha com um estojo para acompanhar os múltiplos acessórios fálicos. Porém, importante notar que a introdução de vibradores com eletrodos era uma prática pouco ortodoxa e desaconselhada por muitos, mas como existia a ideia de vibradores como panaceia, havia tais acessórios para poderem ser usados tanto em homens (no reto e no períneo para tratar de hemorroida e impotência sexual) quanto em mulheres (na vagina, para tratar espasmos musculares internos, vaginismo). Porém, repetindo, essa não era uma prática recomendava nem reconhecida pelos médicos e pela associação oficial de médicos. E o objetivo dos poucos médicos que pareciam fazer uso dessas técnicas controversas não era uma terapia sexual, nem o orgasmo, nem ela era feita no clitóris.

            ii) Enquanto a maioria das fontes que Maines traz nem cita histeria, as que citam não mencionam vibradores sendo usados como tratamento para isso. Os vibradores eram usados por algumas pessoas e médicos para doenças em geral (não histeria), em homens e mulheres. E alguns acessórios fálicos, como dito, eram usados tanto em homens como mulheres para algumas doenças e desconfortos específicos. E, mesmo assim, esses usos sempre eram feitos com muita controvérsia dentro da comunidade, com muitas dúvidas sobre a real eficácia, tendo os poucos médicos que a utilizaram e testaram escrito sobre suas incertezas e não uso geral.

            iii) As fontes que Maines traz somente mostram o que é, de fato, verdade: havia pessoas usando vibradores elétricos para tratar inúmeras dores/doenças. Porém quase sempre em várias partes do corpo não-genitais (coluna, cabeça, quadril, braços, nuca etc.). Maines, por fim, traz fontes que falam sobre uma “massagem ginecológica ou pélvica”. Porém, pesquisando mais sobre o que isso implicava na época, vemos que não se trata de algo nem sexual, nem clitorial, nem ocasionando um orgasmo. Essa expressão normalmente significava a massagem uterina para tratar dismenorreia (dores menstruais) e prolapso uterino (deslocamento do útero para vagina). A massagem pélvica consistia em uma massagem ou abdominal (mãos somente no abdômen), ou abdômen-vaginal (um ou dois dedos na vagina segurando o útero e seus apêndices para cima, enquanto a outra mão no abdômen realizava os movimentos) ou abdômen-retal (um dedo no reto e a outra no abdômen). E, importante mencionar, essas práticas eram controversas e os médicos eram atentos para possíveis excitações sexuais e, portanto, elas não eram recomendadas amplamente nem regularmente.

            Maines, portanto, mistura os termos massagem clitorial com massagem pélvica/ginecológica. Ela cita esta última quando quer implicar que ocorria a primeira. As várias fontes que ela traz são utilizadas por ela de forma a validar a sua hipótese, mas elas simplesmente estão falando de outra técnica e tratamento e, além disso, com grandes suspeitas e dúvidas e atentas para as controvérsias e contra-indicações desses usos em geral.

            O curioso, porém, é que essa história da escritora Maines foi abraçada não somente por homens sexistas, mas também por mulheres feministas. Por quê? Lieberman diz que a história tem um certo ar reconfortante e também sexy, pois tanto mostra o conhecimento sexual marchando em uma linha de progresso (desde pensamentos vitorianos ingênuos até as sofisticações sexuais atuais), quanto mostra um possível conto de fadas feministas, onde mulheres subvertiam a sociedade patriarcal procurando orgasmos com seus médicos pagos pelos seus maridos.

A HISTÓRIA REAL

            Um fato, todavia, é verdadeiro: o vibrador elétrico foi inventado pelo médico britânico Joseph Mortimer Granville. Porém, ele foi inventado no começo dos 1880s e não foi idealizada para ser usado em mulheres e tampouco para curar “histeria”. Na verdade, ele mesmo dizia especificamente que ele não deveria ser usado em mulheres histéricas. Ele criou o vibrador como um aparelho médico para homens, usando-o em diferentes partes do corpo para tratar dores em geral (desde doenças na coluna, surdez e até diabetes). As ilustrações de seu livro mostram ele usando somente em homens. Ele acreditava que o corpo humano tinha níveis saudáveis e naturais de vibração e que as doenças surgiam quando esses níveis se desequilibravam. O aparelho era para restaurar a harmonia normal do ritmo dos nervos corporais e foi desenvolvido como uma ferramenta para os médicos utilizarem. Ele sabia também do aspecto sexual e instruía os médicos dizendo que um dos seus usos seria no períneo dos homens para gerar uma maior potência sexual, contra impotência.

            É bom notar que a eficácia desses vibradores sempre foi questionada pela comunidade científica e pelos médicos em geral, que não tinham tanto interessante em adquiri-los para usar em seus pacientes, nas práticas regulares de seus consultórios. Por isso, a história real é que esses vibradores se popularizaram somente quando foram anunciados para o público em geral, homens e mulheres, como uma utilização doméstica no começo dos 1900s, com propagandas mostrando homens, mulheres, bebês e idosos, prometendo que os vibradores poderiam curar tudo: desde eliminar rugas até curar tuberculose.

            Uma das primeiras propagandas nos EUA, em 1899, falava dos benefícios para a beleza e saúde, removendo rugas e tirando dores de cabeça nervosas. Você podia encomendar pelos catálogos ou comprar em lojas de departamento comuns, como Macy’s. Esses vibradores eram pesados, normalmente com um cabo/ponta de madeira e com um fio elétrico conectado a um motor elétrico ou a própria tomada. A maioria destes possuía acessórios de borracha fálicos, que poderiam ser rosqueados na ponta. Eram os aplicadores retais ou vaginais, sendo usados amplamente para tratar impotência e hemorroidas. Esses vibradores elétricos eram anunciados como possíveis presentes de natal para os avôs e avós, adequados para bebês, aplicações para beleza para mulheres, e bom para a saúde de todos.

            Apesar de sabermos que atualmente a sociedade utiliza amplamente vibradores para a masturbação e fins sexuais, na época não temos como conseguir nenhuma evidência de que isso ocorria. Mas, é claro, é bem provável que eles eram usados para esse fim por alguns consumidores, especialmente consumidoras, em suas casas. Porém, importante mencionar que isso não está relacionado com práticas médicas feitas regularmente em consultório.

            É difícil saber quando tais vibradores passaram a ser pensados e usados de forma sexual, porém essas propagandas para os consumidores de 1900s já eram cheias de mulheres com seios volumosos e vestidos curtos, e com dizeres sobre pulsações e tremores de prazer correndo pelas veias depois de usá-los.

            Como referência, os cintos vibratórios eram anunciados como “vibradores sexuais” desde 1903. E os médicos estavam mais preocupados com homens masturbando com esses vibradores do que mulheres [talvez pelo sexismo da época de entender as mulheres como sendo menos sexualizadas e menos consciente de seus corpos e prazer].

        Na década de 1910s, a própria Associação Médica Americana (AMA), escreveu inúmeras cartas a médicos e consumidores falando sobre a ineficiência de vibradores elétricos para curas de dores em geral, tendo uma postura bem clara e críticas sobre tratamentos vibratórios. Dizendo que esse tratamento era ou uma ilusão ou um golpe. Se havia algum efeito, ele era tão-somente psicológico.

         Importante mencionar que, mesmo quando alguns poucos médicos usavam vibradores nas mulheres, a comunidade médica advertia para evitarem tocar o clitóris. Inclusive, como dito pelo ginecologista James Craven Wood em 1917, a grande objeção ao vibrador é que, em pacientes muito sensíveis, poderia ser uma causa de excitação sexual.

            Por volta dos 1930s e 1940s, os vibradores passavam desapercebidos pela cultura, em parte porque iam se tornando menos sexuais. Os acessórios retais e vaginais desapareceram e as propagandas não tinham mais os sub-textos sugerindo usar os vibradores nos genitais. Os vibradores agora eram anunciados como acessórios essenciais domésticos, tendo em 1953, recebendo o selo de aprovações em alguns modelos pelo Good Housekeeping, tamanha a inofensividade enxergada neles. Essa foi uma era de contradições, com grande conservadorismo, baby boom, ao mesmo tempo em que havia uma revolução sexual ocorrendo. Porém, enquanto a sexualidade masculina era cada vez mais discutida abertamente, a feminina nem tanto, o que fazia com que esses aparelhos ainda fossem vendidos como acessórios domésticos não-sexuais e com discursos de cura geral para doenças diversas.

            A FDA, associação de alimentos e drogas dos EUA, começou a olhar mais atentamente para os vibradores, não por suas questões sexuais, mas porque eles prometiam perda de peso e curas para tudo. Em 1958, o FDA começou a apreender vibradores que faziam falsa propaganda. O FDA não achava que os vibradores deveriam ser proibidos, mas, sim, rotulados apropriadamente, dizendo que os benefícios da vibração são limitados a um alívio temporário de condições físicas menores. Assim, as companhias adaptaram seus anúncios e os vibradores não mais eram vendidos como uma panaceia [,mas, sim, para "alívios das tensões", "relaxamentos prazerosos" e para "anos de satisfação e alívio"].

           Portanto, foi, na realidade, as consumidoras mulheres que exploraram esse potencial erótico, secretamente no começo e abertamente nos 1970s, quando a feminista Betty Dodson passou a abertamente usar vibradores como aparelhos sexuais em suas oficinas de masturbação.

CONCLUSÃO

            Por quê é importante desconstruir esse mito, segundo Lieberman? Pois a história do vibrador disseminado a partir do livro de Maines possui reais consequência maléficas. A danosa ideia de que as mulheres são naturalmente ignorantes sexualmente e de que as mulheres que tem conhecimento e impulsos sexuais são pervertidas, tem sido a base para leis repressivas ao longo da história: desde leis de adultério punindo somente mulheres, até mortes por “honra” e as restrições recentes ao controle de natalidade e aborto. Todas essas leis e violências são modos de punir as mulheres que fazem sexo por prazer e não por procriação.

            Além disso, esse mito reforça a falsa ideia de que a história do sexo se move em uma linha reta: da repressão à iluminação. Isso gera complacência, pensando que nós já superamos totalmente as atitudes vitorianas. Porém, nós ainda estamos em uma era de repressão sexual e de parâmetros duplos: propaganda para brinquedos sexuais são restritas no Facebook, Instagram etc, enquanto produtos para disfunção erétil são permitidos.

            Assim, os vibradores não foram inventados por médicos no passado porque os seus punhos doíam por estarem esfregando os clitóris das mulheres histéricas. Eles foram inventados como um aparelho milagroso para curar doenças em geral e eles, na verdade, curavam muito pouco até que as nossas tataravós [,bisavós e avós] elevaram esse aparelho para o seu maior propósito [ou seja, autonomia no prazer sexual feminino].

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1891. Propaganda de vibrador elétrico

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versus

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1909, vibrador elétrico da época

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1915, vibrador da marca Veedee

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1915, propagangas do vibrador

da marca Veedee

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1953

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1950s

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